RAR HOLDING (2002)

Relatório de Contas. Auditor's Report.
Projecto comissariado por Project Curated by Miguel von Hafe Pérez para RAR Holding.


Holding (RAR), 2002. Óleo sobre tela, 3 de 9 pinturas, dimensões variáveis. Colecção RAR Holding.
Holding (RAR), 2002. Oil on canvas, 3 of 9 parts, dimensions variables. RAR Holding Collection.


“O Grupo RAR visto por Arlindo Silva”
Por Miguel von Hafe Pérez

Com o advento da modernidade estética, que comportou um processo de crescente autonomização da obra de arte, começaram a atenuar-se os usos comemorativos e apologéticos associados à produção plástica. Se tal facto é facilmente perceptível no domínio da estatuária pública, também no universo da pintura qualquer leigo constatará que as temáticas dominantes raramente se ancoram na necessidade de propor estruturas iconográficas que possam servir de veículos de mensagens preestabelecidas. A este deslocamento não foi estranho o aparecimento da fotografia enquanto transmissor supostamente mais fiel da realidade, pelo que muitas das necessidades documentais, tanto no âmbito do retrato, como no domínio do que hoje poderíamos apelidar de documentário visual, acabaram por cair nas malhas da imagem tecnicamente reprodutível (a que acrescem as imagens em movimento e, mais recentemente, as imagens virtuais, que fazem as delícias dos arquitectos, por exemplo, que assim podem antecipar modelos ultra-realistas daquilo que ainda se encontra apenas em projecto, propondo, no fundo, documentários ficcionados de uma vida por vir).
Curiosamente, neste projecto que temos vindo a desenvolver para o Grupo RAR e que consiste basicamente no convite a um artista no sentido interpretar visualmente o universo deste grupo empresarial, nunca as imagens propostas se aproximaram tanto de um contexto pré-moderno, contrário ao que referenciei no inicio do texto. Na verdade, quando o ainda muito jovem autor Arlindo Silva me deu a conhecer as pequenas pinturas que agora se apresentam, revelou-me que na sua origem esteve uma ideia de reproblematízar e recontextualizar o valor-uso de objectos artísticos criados mediante uma encomenda. Assim, o seu desejo foi o de realizar pequenos fragmentos visuais que, por hipótese, pudessem servir como uma espécie de memorabilia transportável, algo que hoje em dia fazemos essencialmente com imagens de familiares ou daqueles que nos são mais próximos.
O que torna esta proposta particularmente notável sedimenta-se na eloquência formal de uma pintura que vai até ao mais inesperado detalhe, mas que não se esgota em qualquer tipo de pretensão hiper-realista. Na verdade, a própria textura da trama das pequenas telas ainda se faz evidenciar sob as várias camadas pictóricas executadas a óleo e o trânsito perceptívo entre aquilo que é representado e o seu modo de representação repete-se num contínuo esteticamente primordial. Estes são objectos que apetece tocar e manusear, isto é, de verificar o modo tão persuasivo de se conseguir instaurar uma fractura entre aquilo que é representado, que tanto pode ser um minúsculo cubo de açúcar, como o infinito de um céu trespassado por um avião, e a sua inesperada concretização.
Contrariando o valor-exposição que a contemporaneidade não se cansa de afirmar como predominante, num movimento de crescente musealização e consequente visibilidade pública de tudo o que se considera arte, Arlindo Silva parece apelar a uma relação mais íntima e privada com as suas obras, já que elas encontram num destinatário especifico a sua comunidade de fruição vital.